Viajando para terras distantes
O elemento mais evidente e conhecido de livros de fantasia é que não se passa no mundo real. Claro, você pode argumentar que nenhuma ficção se passa no mundo real, mas estou falando de regras e conceitos naturais do nosso mundo. Vamos pegar dois exemplos, Harry Potter e Senhor dos Anéis, eles são bem diferentes quando se trata de ambientação e universo, mas ambos não se passam no mundo real.
Em Harry Potter, existem as leis da magia, que se misturam inclusive com a genética, e todo um universo natural de monstros e plantas fantásticas (e onde habitam), assim, mesmo o livro tendo como base o mundo real, a autora mudou as regras dele, adicionando magia, criaturas e dimensões.
Senhor dos Anéis, por outro lado, já faz mudanças drásticas. Uma terra completamente diferente da nossa em funcionamento político, origens e regras naturais, onde a magia é mais sutil do que no exemplo anterior, mas os habitantes desse mundo, os deuses e as regras naturais são completamente diferentes do nosso mundo.
Em suma, um mundo de fantasia pode se parecer sim com o nosso, mas sempre haverá mudanças nas leis da física, biologia, geografia, etc… Faz parte da fantasia, te levar para um mundo novo e te apresentar a ele, por isso a maior parte dos protagonistas são pessoas alheias à esse mundo (como Harry Potter e Percy Jackson) ou pessoas que vivem isoladas em uma pequena porção dele (como Bilbo e Frodo Bolseiro).
Já escrevi aqui como criar um universo de ficção convincente e coeso, vale a pena dar uma olhada.
Magia para todos
Um elemento que está sempre presente e talvez seja tão notado quanto o anterior é a presença de magia. Esse é provavelmente o ponto de mais personalidade da história, onde o autor pode mostrar o que ele quer para aquela história e qual a visão dele sobre seus personagens.
Magia pode ser algo mais sutil ou mais evidente, ela pode ser acessível a todos ou ser um dom para poucos, pode vir da biologia ou pode ser dada pelos deuses. Existem infinitas variações para o conceito de magia, mas o seu centro é sempre o mesmo, dar para os personagens uma maneira de quebrar as regras naturais.
Por ser algo tão moldável, você pode perceber muito bem a intenção do autor com a história ao observar as características da magia e, quando você estiver escrevendo, dê uma atenção especial para ela. Vou dar alguns exemplos de mundos mágicos, destacando os aspectos que citei acima.
- Senhor dos Anéis: Muito sutil (mudanças climáticas, manipulação de intenções), não acessível a todos e com relação ao mundo “divino”.
- Eragon: Magia evidente (bolas de fogo, raios), não acessível a todos e sem relação com deuses.
- Percy Jackson: Magia evidente, não acessível a todos e tanto biológico como relacionado aos deuses.
- Crônicas de Nárnia: Magia sutil, não acessível a todos e sem relação com deuses ou biológico.
- Tormenta 20: Magia evidente, acessível a todos e relacionada aos deuses.
Apenas nesses exemplos já se pode encontrar uma grande variedade, e citei apenas características gerais. Quando se explora mais profundamente a magia dos universos de fantasia, nota-se uma grande personalidade e variedade.
Heróis, vilões e companhia
Os uso de arquétipos é sugerido para qualquer escritor, mas uma marca clara da fantasia são os arquétipos bem destacados e eventualmente até reconhecidos na narrativa. Não é incomum em histórias fantásticas o povo comentar sobre heróis, vilões e sábios, colocando sobre eles a imagem que temos desses arquétipos.
Assim, é muito simples criar uma base usando arquétipos, mas não se limite a Jung, você pode usar muitos elementos como modelo para seus personagens, as estações do ano, peças de xadrez, animais, signos e mitologias são apenas alguns exemplos. Você pode, a partir de estudo ou observação, transformar praticamente tudo em um arquétipo para suas histórias.
Quando se identifica nos próprios personagens, ou nos dos outros, esses modelos, também conseguimos trabalhar em desconstruções de arquétipos. Um líder militar, forte e que venceu muitas guerras, um herói para o povo, pode ser um grande covarde, que trapaceia e trai para manter sua vida e seu status. Um mendigo que balbucia coisa a esmo pode ter sido um deus caído que perdeu a divindade. Quebrar os arquétipos trás mais realismo a sua história, ao passo que os seres humanos não são fechados em padrões tão arbitrários.
Isso pode ser uma grande armadilha, a tentação de quebrar arquétipos buscando originalidade também leva muitas pessoas a criarem personagens contraditórios e paradoxais em sí mesmos. Como qualquer arte, para desconstruir algo, antes você precisa ter muita habilidade para construir, então se você está começando, não tente quebrar todas as regras, existe hora, motivo e maneira de fazer isso, e antes de tudo, você precisa estudar os padrões.
Aquilo que nos toca
Por fim, o que mais me encanta em obras de fantasia é a possibilidade de tratar de assuntos sob uma nova perspectiva, de maneira exagerada ou fora da realidade. As obras que se tornam clássicos, as que permanecem por anos sendo relevantes, tem esse ponto em comum: Elas tratam de assuntos atemporais. Valores e dores humanas que sempre foram e sempre serão discutidas como amor, guerra, inveja, medo, culpa e muitos outros, isso nos conecta com uma história.
Um livro pode emocionar muitos, mas se a sua história não for intensamente humana, ela não vai durar. Se for fútil e sem profundidade, vai passar, e o que a fantasia nos permite fazer com esses assuntos é tirá-los de contexto. Você pode tratar sobre a ambição humana pelo poder levando o leitor para um mundo diferente do nosso (Crônicas de Gelo e Fogo) ou pode mostrar aspectos da culpa de um homem que criou e abandonou uma criatura (Frankenstein).
Sua história pode ser incrível e muito bem escrita, mas a história pela história é passageira, os valores que ela transmite, as discussões que ela levanta e as mudanças que ela causa nos leitores é o que a fará perene.
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