Em meio à sua expedição aos confins do planeta Terra, o capitão Robert Walton resgata um moribundo solitário e aparentemente perdido. Trata-se de Victor Frankenstein, que passa então a narrar os trágicos eventos de sua vida que o levaram a vagar em regiões tão inóspitas.
Victor era um estudante de ciências naturais com uma sede insaciável por conhecimento e uma dedicação jamais vista. Completamente fascinado pela natureza e seus mistérios, ele ansiava ir além de tudo que o ser humano sabe sobre o visível e o invisível. Movido por essa ambição, ele decidiu pôr em prática o mais arriscado dos projetos: dar vida àquilo que está morto. Depois de passar dois anos trancado em seu laboratório, obcecado por concretizar tal feito até então considerado impossível, Frankenstein sucede em seu objetivo, mas não demora para perceber que cometeu um grave erro e que estaria condenado a sofrer consequências terríveis por aquela experiência.
Introdução
O livro segue uma sequência peculiar de narrativa, se iniciando com o capitão Robert, narrando seu encontro com Victor, que passa a narrar a maior parte do livro, mas em certo ponto de sua narrativa, ele narra a narração de um outro personagem, sendo assim uma narração de uma narração de uma narração. Apesar dessa complicação inicial, o decorrer do livro é natural e pouco complexo, sendo o maior pecado o arrasto nos finais de cada ato.
Acompanhamos a vida de Victor durante o livro, seus sentimentos, pensamentos e ações, porém o personagem é amargurado, melancólico e repetitivo, além de ser um covarde e perturbado pela própria criação, tornando-o um protagonista extremamente desagradável e de pouca identificação. No meio do livro, no segundo ato, somos apresentados ao monstro, que nos conta sua própria visão dos acontecimentos, e apesar de ser imaturo e assassino, cativa muito mais o leitor por demonstrar mais motivação e humanidade que seu próprio criador.
Claro que Victor não é inverossímil, mas é extremamente desagradável, aparentemente de nascença, enquanto as características do monstro se constroem em cima do abandono por parte de Frankenstein e pela sua busca por ser aceito pela humanidade.
O tema da história
O grande tema, e em volta dele a autora criou uma boa discussão, é culpa e responsabilidade. Os primeiros questionamentos começam quando o monstro mata o irmão mais novo de Victor e incrimina uma amiga próxima da família. Só então o cientista começa a se questionar acerca de sua criação, que até o momento era apenas assunto de seus pesadelos. Ele passa a viver amargurado pela culpa, mas incapaz de contar a verdade para qualquer um, inventando mentiras e fugindo de seus amigos.
A segunda questão se mostra quando o monstro se encontra com Victor e lhe conta sua história, dizendo como foi confuso para ele ser solto no mundo sem ninguém para lhe ensinar ou amar. Sozinho, ele aprendeu que era horrível para os humanos e que causava medo e ódio e, escondido, começou a aprender os costumes e a língua de pessoas a quem ele se refere como “amigos”.
Ao passo que adquiria mais conhecimento, crescia em si o rancor por seu criador, por tê-lo abandonado. Ele desejava, hora matar Victor, hora morrer, mas ambas as opções lhe eram assustadoras e seu real objetivo era ser aceito por seus “amigos”. Quando tomou coragem e, por fim, se apresentou, foi violentamente expulso e neste momento, sua bondade se reprimiu e seu rancor e ódio afloraram.
Foi então atrás de causar dor a Victor e, por acaso, encontrou-se com seu irmão mais novo, a quem sufocou até a morte. Em seguida, pegou o colar da criança e o colocou no bolso de uma mulher que estava dormindo, mulher esta que foi incriminada pelo crime e sentenciada à morte. Foi assim que a angústia interminável de Victor começou e, a toda essa dor e morte, o monstro atribuía a culpa ao criador.
O embate dos dois, entre a culpa e responsabilidade, continua pelo último e mais interessante ato, onde o monstro propõe uma trégua caso Victor lhe faça uma esposa. Enquanto incapaz de realizar os desejos da criatura, por medo e asco de seu primeiro experimento, Victor recusa e em troca, o monstro mata seu melhor amigo e sua esposa, na noite de núpcias, despertando a fúria de Frankenstein, que passa a caçá-lo incansavelmente até se encontrar com o capitão Robert, no início do livro.
Muito doente por sua mente perturbada e sua saúde frágil, ele morre no navio após relatar sua história e, por fim, o monstro lhe visita em seu leito e diz ao capitão que se arrependia do que fizera, que sentia-se culpado e poderia ter evitado tudo, se tivesse tomado a decisão correta. Diz que irá se matar e vai embora.
Conclusão
A reflexão que nos sobra é a respeito das culpas. O que Victor poderia ter feito? Não criado o monstro? Não tê-lo abandonado, mas ensinado a ser um humano? Tê-lo matado quando se arrependeu, em vez de soltá-lo no mundo? Ou até criado sua esposa, para que ele deixasse a humanidade em paz?
Em contrapartida, sempre culpando seu criador, mas agindo como se não tivesse outra escolha, o monstro poderia ter ele mesmo se matado, poderia ter vivido recluso na natureza, como disse que faria caso Frankenstein criasse sua parceira, poderia não ter matado ninguém e até poderia ter tentando argumentar com seu criador antes de matar seu irmão.
O que eu entendo dessas questões é que para tudo pode se achar um culpado, mas agir como seu não houvesse escolha é um ato covarde de fuga, tentando esconder a responsabilidade sobre suas ações atrás das ações de outros. Se somos capazes de pensar e de agir, devemos nos responsabilizar pelo que fazermos e dizemos e não tentar atribuir aos nossos atos uma justificativa externa.
Ao mesmo tempo, não podemos deixar de pensar em como nossas ações influenciam nas ações de outros. Não vivemos sozinhos e nem devemos, e nem Victor, nem o monstro, foram autores solo da tragédia de suas vidas. O abandono de um levou ao rancor do outro, os crimes de um levaram à vingança do outro, mas em qualquer momento, se um deles quebrasse o ciclo do embate, as coisas poderiam ser diferentes.
Talvez não sejamos capazes de impedir que coisas ruins comecem, mas podemos decidir ser apenas uma peça de dominó, empurrada por uma tragédia e causando outra, ou podemos resistir com as forças e atitudes que estão ao nosso alcance.
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